30/08/2012
Já dizia Montesquieu “A Lei não é justa porque é Lei. É Lei porque é Justa.”.
A edição de 13 de Agosto de 2012 do “Jornal de Negócios” trouxe a lume um tema que, apesar da sua extrema relevância, por ventura (ou por interesse….), anda arredado do conhecimento dos portugueses mas que, atenta aquela que parece ser a interpretação dominante, acarreta graves problemas que terão, calcula-se, muito penosa solução.
Em suma, segundo o supra referido texto, baseado na Lei 54/2005, de 15 de Novembro, todos os proprietários de prédios ribeirinhos, rústicos ou urbanos, situados nas margens quer do mar quer de um rio, quer, ainda, de imóveis sobre as arribas devem, até 01 de Janeiro de 2014, intentar uma acção judicial (de reivindicação) contra o Estado para reconhecimento dessa mesma propriedade.
Segundo a definição da própria lei, “margem” será a faixa de terreno, com uma largura de 50 m, contígua e paralela ao limite do leito do mar, do rio ou, ainda, da linha normal das areias da praia.
O fulcro da questão em análise está no artigo 15.º da referida Lei 54/2005, de 15 de Novembro, que prevê a obrigatoriedade dos proprietários privados terem de “(…) provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 (…)”.
Assim, na falta da referida acção judicial, o proprietário perderá, automaticamente, o seu direito à propriedade sobre tais imóveis, sem qualquer indemnização.
Ora do nosso ponto de vista, a interpretação – chamemos-lhe “conformista” – seguida por parte significativa da praça jurídica patrícia, não pode colher.
Com efeito, e salvo melhor opinião, é inconstitucional e juridicamente incompreensível a disposição legal que prevê a possibilidade de perda do direito de propriedade por simples decurso de prazo, ainda que legalmente imposto.
Vários são os defeitos e erros da presente norma:
Em primeiro lugar, interpretando a norma “a contrario” resulta, como se disse, que quem não intentar a referida acção judicial ou quem a intentar mas não lograr fazer esta verdadeira probatio diabolica verá perdida a sua propriedade a favor do Estado, sem qualquer tipo de indemnização, pagamento ou ressarcimento. Ou seja, um verdadeiro confisco, algo que contraria direitos fundamentais, designadamente o Direito à propriedade privada, previsto no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição da República.
Em segundo lugar, esta norma cria ónus desproporcionados para os cidadãos, senão vejamos:
Mesmo no caso irreal de todos os proprietários de imóveis nesta situação serem verdadeiros apaixonados pela História e terem em sua posse todos os documentos que comprovam a propriedade privada do mesmo desde 1864 – ou que, pelo menos, conheçam os meandros da Torre do Tombo, onde eventualmente se encontrará a documentação necessária – há que não esquecer todos os outros custos inerentes a uma acção deste género.
Pense-se, por exemplo, nos custos com taxas de justiça, com Advogados, com tempo gasto na pesquisa e preparação da acção, nos custos de tempo e dinheiro que o próprio Estado irá ter, no acréscimo imenso de processos no já tão moroso sistema judicial português…
Mais, terão todos os visados por esta norma a capacidade económica para intentar uma acção desta envergadura? A resposta é óbvia: Não!
Mais ainda, esta Lei viola todos os mecanismos de publicidade e segurança jurídica conferidos pelo Registo, agora obrigatório. Existe segurança jurídica quando os actos públicos, cujo fundamento é (ou era?) garantir a validade e publicidade da propriedade, praticados perante Conservador ou Notário, são inutilizados por uma norma posterior ao próprio acto?
Pergunta-se: Consta de algum registo predial, caderneta predial ou escritura pública de compra e venda, um averbamento ou menção expressa que traduza a eventual falta de propriedade do vendedor por não existir trato sucessivo desde 1864? Algum cidadão foi alertado pelo Conservador, Notário, Câmara Municipal, ou por algum organismo central, como a Autoridade Tributária e Aduaneira (anterior Direcção-Geral das Contribuições e Impostos), para a existência desta norma quando, em 2004, ou 2005, ou 2012, adquiriu um imóvel nas zonas abrangidas e lhe foi garantido, pela intervenção de Notário ou Conservador e pela publicidade inerente ao próprio Registo, que adquiria a propriedade sobre tal imóvel?
Em acréscimo, esta norma viola frontalmente o disposto no artigo 18.º da Constituição da República, quando restringe abusivamente o direito à propriedade, e faz impender sobre o cidadão, adquirente de boa-fé, um ónus excessivo e praticamente impossível de suportar, ao exigir a prova de propriedade, mediante trato sucessivo, desde 1864.
E como resolver este problema?
Porque não permitir a prova da propriedade mediante simples apresentação de escritura pública de compra e venda dos bens? Ou da inscrição/averbamento do imóvel no Registo Predial a favor do proprietário, com anterioridade a 1 de Janeiro de 2014? Porque não inverter o ónus da prova, e competir ao Estado provar que em 1864 o terreno não era privado?
Assim, e em conclusão, há que proceder a uma urgente alteração legislativa que permita acima de tudo, proteger o cidadão, através de um consenso, entre interesse público e propriedade privada, abdicando-se do método sinistro e obscuro que esta lei, através do desconhecimento, e de má-fé, impõe ao cidadão em benefício desproporcional a favor do Estado.
Caso nada, com alguma urgência, se faça, este é mais um caso de Lei injusta, violadora dos cidadãos e dos seus direitos, contrariando aquele que deveria ser o objectivo último do Legislador – salvaguardar o cidadão.
Afinal, como bem dizia Balzac, “Administração é a arte de aplicar as Leis sem lesar os interesses.”. Ou deveria ser… Os será que esse belo princípio só será aplicável em França?
Antes que seja tarde, os proprietários de imóveis ribeirinhos têm que agir. Devem, pois, apresentar acções judiciais contra o Estado antes de 1 de Janeiro de 2014. Dada a sua complexidade, há que preparar cuidadosamente tais acções judiciais.
Vidas de trabalho árduo e patrimónios de gerações estão em perigo e um Estado voraz e sem vergonha prepara-se para mais uma vez esbulhar, confiscar e ludibriar os cidadãos e empresas incautos!
Paulino Brilhante Santos
Ivo Aguiar Nogueira