29/01/2025
A crise habitacional sentida em Portugal é um dos epicentros das mais recentes discussões a ter lugar na Assembleia da República.
Na origem da controvérsia está o D.L. n.º 117/2024, aprovado pelo Governo no passado 30 de Novembro de 2024, que determinou a alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 80/2015 de 14 de maio), também conhecido como a “Lei dos Solos”.
Atualmente sob o escrutínio da Assembleia da República e alvo de diversos projetos de resolução, o referido decreto-lei pretende: criar um mecanismo de reclassificação “excecional” de determinados prédios rústicos em prédios urbanos; e atribuir a competência desta reclassificação aos municípios.
De acordo com o Governo, o caráter excecional da reclassificação alicerça-se em diversos requisitos e condições, que deverão ser salvaguardados pelos municípios e dos quais destacamos:
- Pelo menos 700/1000 da área total de construção acima do solo deverá destinar-se a habitação pública, ou a habitação de valor moderado;
- Deverá ser delimitada e desenvolvida uma unidade de execução;
- Deverá ser garantida a existência de infraestruturas gerais e locais, assim como os equipamentos de utilização coletiva necessários e os espaços verdes adequados para cobrir as necessidades decorrentes dos novos usos;
- A reclassificação deverá ser compatível com a estratégia local de habitação, carta municipal de habitação ou bolsa de habitação;
- A reclassificação deve ser realizada no prazo de 5 anos, após autorização do respetivo município para o efeito, sem prejuízo de eventuais prorrogações;
- Ficam excluídos da reclassificação para solo urbano, nomeadamente: as áreas integradas no Sistema Nacional de Áreas Classificadas, exceto as áreas não abrangidas por regime de proteção; as áreas abrangidas por programas especiais da orla costeira, albufeiras de águas públicas e estuários; as áreas de risco potencial significativo de inundações previstas nos Planos de Gestão dos Riscos de Inundações; os aproveitamentos hidroagrícolas; áreas classificadas nos termos do regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN); entre outros.
Apesar das garantias prestadas pelo Governo, a proposta tem sido alvo de significativa contestação. Os críticos sustentam que a nova legislação poderá fomentar a especulação imobiliária, beneficiando predominantemente os promotores privados, beneficiando a sua ingerência junto dos municípios em detrimento da apresentação de uma resposta estrutural à escassez habitacional. As alegações de influência indevida de grupos de interesse no processo legislativo culminaram, recentemente, na demissão do Secretário de Estado Hernâni Dias.
Face à crescente tensão política, ainda não é claro como irá terminar esta iniciativa do Governo e quais os reflexos que terá no panorama legislativo português.