22/11/2023
O recurso a prestações de serviços de empreitada tem aumentado de forma significativa em Portugal nesta última década e com ele os litígios que opõem os empreiteiros aos donos da obra.
Por esse motivo, reveste particular importância o regime jurídico da empreitada e da resolução contratual. Nos termos do artigo 1207º do Código Civil, “O contrato de empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. Ou seja, este tipo de contrato visa a realização de um determinado resultado: aquele que foi encomendado pelo dono da obra ao empreiteiro em troca do respetivo preço.
Todavia, não raras as vezes o resultado da obra não corresponde àquilo que tinha sido convencionado pelas partes, nascendo assim uma situação de “desconformidade” com os termos e condições contratuais definidos entre as partes.
A obrigação de realizar a obra “em conformidade” com o convencionado decorre não só do regime jurídico da empreitada patente no Código Civil, como ainda decorre do instituto jurídico dos direitos do consumidor na compra e venda de bens (artigo 3º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 84/2021, de 18 de outubro).
Assim, há que distinguir se a desconformidade da obra resulta da existência de defeitos da obra, situação que dará lugar à aplicação do instituto dos defeitos da obra constante dos artigos 1220º e seguintes do Código Civil, ou se, ao invés, tal desconformidade resulta do abandono definitivo da obra pelo empreiteiro, caso em que terá lugar a aplicação do regime jurídico do incumprimento constante do artigo 798º e seguintes do Código Civil.
No termos da Lei, caso o dono da obra verifique a existência de defeitos na obra encomendada ao empreiteiro, poderá recusar a sua entrega e exigir a eliminação dos defeitos, ou a construção de nova obra se os defeitos não puderem ser eliminados. No entanto, a mencionada denúncia dos defeitos obedece a critérios legalmente estabelecidos, nomeadamente, ser a mesma devidamente fundamentada e comunicada ao empreiteiro dentro dos 30 (trinta) dias seguintes ao seu descobrimento, ao abrigo do disposto nos artigos 1218º, nº 4, e 1220º, ambos do Código Civil.
Caso o empreiteiro não elimine os defeitos denunciados dentro de um prazo razoável fixado pelo dono da obra, coloca-se a questão de saber o que poderá este último fazer? Poderá exigir a redução do preço, nos termos do estabelecido no artigo 1222º do Código Civil, ou resolver o contrato por perda de interesse na prestação em consequência da mora do devedor em reparar os defeitos dentro do prazo razoável que lhe foi fixado (cfr. artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil.).
Situação diferente é a que se refere ao abandono definitivo da obra, neste caso, o que se verifica não é a existência de defeitos ou vícios da obra, mas tão só a inexistência da realização da obra ou a sua realização parcial em desconformidade com o que tinha sido convencionado entre as partes. Nestes casos, o regime jurídico a aplicar corresponde ao do incumprimento contratual e não a qualquer outro regime como por exemplo o regime jurídico do cumprimento defeituoso. Conforme sufragado pelo Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 13.05.2021 (Processo nº 1697/17.8T8MTS.P2), o “incumprimento definitivo pode revelar-se por diversos meios, entre os quais: a) A perda de interesse do credor na prestação, em consequência da mora do devedor, ou a sua inexecução dentro do prazo razoável que lhe for fixado por aquele (cfr. artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil); b) Pelo decurso do prazo fixado contratualmente como absoluto ou improrrogável, o que equivale àquela perda de interesse; ou c) Pela recusa peremptória do devedor em cumprir, comunicada ao credor, não se justificando então a necessidade de nova interpelação ou de fixação de prazo suplementar. Para além destas situações expressamente contempladas na lei, existe uma outra que a doutrina e a jurisprudência equiparam ao incumprimento definitivo e que se traduz na declaração expressa ou tácita do devedor de não querer cumprir”.
Desse modo, poderá o dono da obra resolver o contrato e exigir a restituição dos valores indevidamente pagos nos termos dos artigos 433º e 289º, nº 1, ambos do Código Civil, como ainda intentar uma ação para ser indemnizado pelos prejuízos causados, nos termos dos artigos 562º e seguintes do Código Civil.